Sustentabilidade
Não dê o peixe, ensine a pescar
Como a reciclagem mecânica de plásticos está tornando a indústria da pesca mais sustentável e promovendo novos negócios circulares no Chile
Introdução: um olho no peixe e outro no...plástico!
A poluição dos oceanos causada pelos plásticos de consumo é um problema amplamente discutido. A quantidade de plástico nos mares acaba por formar manchas extensas de lixo¹ ou se decompor em microplásticos. Esses pedaços, por sua vez, estão ameaçando ecossistemas essenciais para a vitalidade do planeta Terra, além de prejudicar economias costeiras e a saúde de bilhões de pessoas que, por exemplo, comem frutos do mar contaminados.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a humanidade produz cerca de 460 milhões de toneladas de plástico anualmente, sendo que 50% é usada apenas uma vez e logo é descartada. Desse total produzido, de 19 a 23 milhões de toneladas de resíduos chegam aos ecossistemas aquáticos, poluindo lagos, rios e oceanos, e impactando no habitat de aves e animais marinhos.
Para enfrentar a gravidade do problema, os especialistas são categóricos: governos e empresas devem realizar mudanças de comportamento no mercado, incorporando – na lógica de seus negócios e regulamentações – a reutilização, a reciclagem e a reorientação e diversificação dos produtos ligados ao plástico. Isto é, adotar o conceito de economia circular em todo o processo a cadeia, inclusive o pós-uso.
No entanto, pelo fato de a pesca contribuir para a segurança alimentar e ser uma indústria global, ela é entendida por muitos países como um setor estratégico e, por isso, a dificuldade de encontrar uma solução adequada torna o problema complexo.
A economia oceânica movimenta entre US$ 3 e 6 trilhões a cada ano, de acordo com dados da ONU. E isso inclui empregos e todos os serviços relacionados ao oceano e aos mares, incluindo navegação, pesca, energia renovável, construção de portos, turismo costeiro e infraestrutura costeira. No caso da América Latina, com aproximadamente 240 mil km de litoral, quase um terço (27%) da população depende direta ou indiretamente do oceano e de suas riquezas.
A Grande Mancha de Lixo do Pacífico é um enorme aglomerado flutuante de lixo plástico no maior oceano do mundo. A mancha, localizada entre o Havaí e a Califórnia (EUA), tem aproximadamente 1,6 milhão de quilômetros quadrados de extensão. Um estudo conduzido pela ONG holandesa Ocean Cleanup descobriu que a Grande Mancha de Lixo do Pacífico contém mais de 79 mil toneladas de plástico, sendo 46% do peso desse lixo representadas por redes de pesca. A maior parte do restante era composta por outros equipamentos abandonados da indústria pesqueira, como cordas, armadilhas para enguias, caixotes e cestos.
Apesar de a mancha estar no meio do oceano e sem contato com o ser humano, os detritos podem impactar a vida marinha de várias maneiras:
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Pesca fantasma: redes de pesca perdidas são perigosas para a vida marinha. Chamadas de redes "fantasmas", elas continuam a pescar, mesmo que não estejam mais sob o controle de um pescador.
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Ingestão: os animais podem comer plásticos e outros detritos por engano.
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Espécies não nativas: detritos marinhos podem transportar espécies de um lugar para o outro. Se ela for invasora e puder se estabelecer em um novo ambiente, ela pode competir ou superlotar espécies nativas, interrompendo o ecossistema.
Um dos esforços internacionais para resolver essa questão, ao menos em termos políticos, foi a criação do Tratado do Alto Mar, em que países-membros da ONU se comprometem a proteger 30% dos oceanos do mundo e garantir a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica marinha de áreas fora da jurisdição nacional.
O chamado compromisso “30x30” visa proteger um terço da biodiversidade do mundo, na terra e no mar, até 2030. Atualmente, os países têm jurisdição sobre as águas que se estendem por 200 milhas náuticas - 370 km da costa. A partir dali, segue o alto mar, com cerca de dois terços do oceano global, ou mais de 70% da superfície da Terra.
Com o texto finalizado em março de 2023, agora cabe aos países-membros da ONU a assinatura formal do tratado para que possam adotar suas diretrizes na legislação interna de cada país.
Embora a vontade política se fortaleça com compromissos entre países como esse, por onde começar a lidar com o problema?
Muito mais do que se ater somente à quantidade de plásticos contidos nesses ecossistemas, ou elaborar iniciativas para retirar os materiais da água, é necessário entender como eles chegam até os mares.
Em cidades com densidade populacional mais altas, a maior parte dos resíduos plásticos encontrados nas águas mais profundas vem do lixo de parques, praias ou ao longo das estruturas de esgoto que revestem as ruas. Esses blocos de lixo plástico são levados para os ralos, córregos e rios, seja pela ação do vento, seja pelo escoamento das águas pluviais.
No caso da iniciativa privada, o impacto de setores ligados a pesca e derivados são mais evidentes durante esse processo, uma vez que o descarte de resíduos industriais, em fiordes e ao redor da costa litorânea – como jangadas abandonadas, plásticos, boias e cordas, por exemplo – é mal organizado.
Soma-se a esse cenário materiais de pesca, incluindo redes, linhas e armadilhas, que continuam por muitos anos fazendo parte do ecossistema marinho, capturando peixes e crustáceos e matando igualmente outros animais, como golfinhos, focas e tartarugas. Em 2018, mais de 300 tartarugas-oliva, uma espécie em extinção de tartaruga marinha, foram encontradas mortas ao largo do México depois de ficarem presas numa rede de pesca aparentemente esquecida.
Há mais de dez anos, a ONU já alertava para o potencial risco que essa indústria causaria nos oceanos. A instituição calculou que a quantidade de plásticos provenientes da atividade pesqueira representa cerca de 10% dos plásticos em todo o oceano.
O Chile, nesse sentido, é um país que tem passado por problemas desse tipo e tentado construir soluções em conjunto com a iniciativa privada local.
Se o mar já não está mais para peixes, como a sociedade chilena tem lidado com o problema?
A costa chilena da Patagônia é um exemplo de como o lixo oceânico se torna problema de proporções nacionais. O Chile é o segundo maior produtor de salmão do mundo, perdendo apenas para a Noruega. Entre os fatores que o fazem ser bem-sucedido nesse setor, as condições naturais como as águas frias, cristalinas e territórios com baixa densidade populacional favorecem a indústria do salmão Atlântico como um todo.
No entanto, quando o plástico começa a fazer parte do habitat do peixe, o problema ambiental ganha camadas e vira um problema de Estado. Estima-se que somente nessa região existam cerca de 200 a 300 mil toneladas de plástico derivado de redes, cordas e boias, que acabam sendo deixadas em praias, ilhas e fiordes do sul do Chile. Além disso, esse volume aumenta oito mil toneladas a cada ano.
As cordas de pesca são feitas de compostos derivados de polipropileno e polietileno, tipos de plástico que podem ser moldados quando submetidos a temperaturas elevadas - sendo classificado como “termoplásticos”. Em gigantescas quantidades no oceano causam danos a todo o ecossistema do salmão, afetando a economia do país e a vida de milhares de trabalhadores que dependem da pesca para sobreviver.
Pesquisadores do Departamento de Oceanografia e Limnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) identificaram que a presença de plásticos nos mares impacta o comportamento alimentar dos peixes. Os peixes evitam as áreas com maior concentração de plásticos, se afastando e não se alimentando no local.
É claro que se deve entender as características de cada ecossistema e como isso afeta a vida marinha, mas essas conclusões não deixam de apontar um problema real acontecendo.
Para casos como esse, a ONU recomenda a empresas e governos que um processo de reutilização e reciclagem do plástico sejam prioridades dentro de um projeto de desenvolvimento sustentável. Segundo algumas simulações produzidas pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), práticas como essas em larga escala aumentariam os níveis de reciclagem a ponto de reduzir a poluição plástica em mais 20% ao ano.
A economia circular, nesse sentido, pode trazer alternativas diferentes daquelas que apenas retiram lixo do mar - e que podem passar uma imagem ao público de apenas “enxugar gelo”.
No país, a Comberplast, fabricante de produtos de plástico reciclado, inverteu a lógica de que o plástico é o vilão da história, transformando-o em protagonista de soluções sustentáveis, ao mesmo tempo que contribui para a despoluição da costa chilena.
Amarrando todas as pontas soltas: como a Comberplast viu no resíduo plástico pesqueiro uma fonte de produtos sustentáveis valiosos?
Inverter a maneira como se avalia a vida útil do plástico pode ser uma estratégia para fornecer visões diferentes para a utilidade do material. Transformá-lo de uma condição de lixo para matéria-prima foi o caminho encontrado pela Atando Cabos, empresa do grupo chileno Comberplast, que há mais de 25 anos se dedica à reciclagem de plástico.
A empresa é uma das maiores recicladoras da América do Sul e fabrica uma variedade de produtos de plástico reciclado que são vendidos em todo o Chile. Ela está presente nos setores de logística, mineração, eletrodomésticos, consumo de massa, energia e telecomunicações, construção civil e agronegócio.
Um grande exemplo é a produção de caixas de engenharia utilizadas na construção civil. A principal função dessas caixas recicladas usadas na fundação é captar e drenar a água da chuva. Esses materiais podem suportar pressões de até 42 toneladas por metro quadrado.
Nas férias de 2016, Michel Compagnon - até então Engenheiro de Negócios da Comberplast - e sua família visitaram a Patagônia para conhecer a paisagem natural da região sul do país. O passeio virou uma descoberta: eles perceberam que muitas cordas – cordas resistentes amarradas para formar redes – poluíam os fiordes chilenos. Sabendo que o plástico pode ter uma segunda vida, o engenheiro enxergou uma oportunidade de negócio ali.
De olho na restauração e na proteção desse ecossistema, Compagnon se reuniu com as equipes técnicas da empresa para identificar possibilidades de criar negócios com as associações de pescadores da região. Os pescadores recolheriam as redes já utilizadas em seus barcos e os levavam aos centros de coleta do material. Eles seriam pagos pela Comberplast por quilo de resíduos de corda descartados corretamente.
Com potencial para quebrá-los e transformá-los em peças para construção, agricultura ou mineração, nasceu o programa “Atando Cabos”, uma cleantech – empresa ou tecnologia cuja finalidade é contribuir com a melhora da sustentabilidade ambiental – que encontrou uma maneira de remover do mundo os resíduos plásticos de forma que eles nunca mais retornarão ao meio ambiente, pois são transformados em produtos feitos de material reciclado e com uma denominação de origem.
Até o momento, o projeto reciclou mais de 2.500 toneladas por ano e emitiu 3,26 vezes menos CO2 ao usar o material reciclado em suas operações em vez do plástico virgem. Como parte de sua visão de melhoria contínua, o Atando Cabos desenvolveu uma tecnologia que permite rastrear o impacto positivo ao longo de todo o ciclo: desde o local onde o material foi coletado até o produto final, permitindo identificar a origem exata de cada resíduo plástico.
O sucesso desse programa também contou com o apoio da BASF, pois para que o plástico reciclado pudesse ser reutilizado em uma nova cadeia, a resistência desse material era necessária. Nesse sentido, as duas empresas se uniram para começar a testar aditivos, ou seja, substâncias que melhorariam as características do plástico reciclado.
Estendendo a vida útil do plástico: como a BASF contribuiu para o programa
"O primeiro desafio foi transportar cerca de 20 toneladas de cordas e redes em um caminhão da Patagônia até nossa fábrica em Santiago", conta Compagnon. A outra grande dificuldade era a má qualidade e o baixo desempenho dos polímeros reciclados devido a impurezas e contaminantes que alteravam suas propriedades.
“Quando nossa equipe na América do Sul não apenas entendeu os objetivos da Comberplast, mas também se alinhou com os valores dela em relação à Sustentabilidade, percebemos que o portfólio de produtos IrgaCycle™ seria uma união perfeita”, comenta Juan Marcos Olivera, Responsável de Vendas do segmento de Aditivos para Plásticos da BASF para a América do Sul.
O processo de testes de aditivos para plásticos se deu com o uso do IrgaCycle PS 030, que melhora a estabilidade térmica de longo prazo em aplicações rígidas, principalmente para HDPE reciclado, um tipo de plástico usado para fazer recipientes como garrafas de detergente ou potes de xampu; poliolefinas, comumente conhecida pelas resinas polietileno (PE) e polipropileno (PP), usados para a fabricação de autopeças, eletrodomésticos e copos plásticos, por exemplo; além de polímeros mistos, com usos para além daqueles já citados.
“Com isso, a Comberplast conseguiu manter as propriedades mecânicas exigidas utilizando 100% de material reciclado”, afirma Juan. Antes do uso do IrgaCycle PS 030, apenas 70% do plástico reciclado na composição tinha suas propriedades mecânicas mantidas, por conta da própria limitação dos processos anteriores.
A linha de produtos IrgaCycle™ garante uma melhor resistência mecânica e qualidade para o plástico reciclado, minimizando o impacto negativo da contaminação cruzada de diferentes tipos de polímeros, retenção de odor, perda de propriedades mecânicas e alteração de coloração comumente enfrentados no processo de reciclagem de plásticos, possibilitando assim que uma maior quantidade de plástico reciclado seja utilizada em aplicações finais sem prejudicar a estética, resistência e durabilidade do material. Esse portfólio de aditivos faz parte do pacote de soluções B-Cycle que atua em toda a cadeia de reciclagem do plástico: Triagem, Lavagem, Extrusão e Conversão.
Juan Olivera também explica que atributos dos plásticos como durabilidade e resistência se mantêm presentes mesmo após vários ciclos de reciclagem. “Aditivando apenas uma vez o plástico depois de passar pela extrusão, por exemplo, auxilia para que as propriedades do produto permanecem por mais cinco ciclos”, conta. Sem o aditivo, há uma perda de 8% das propriedades citadas por ciclo de transformação do plástico, impactando diretamente a qualidade do material.
Ele também conta que as perspectivas do negócio da reciclagem tendem a crescer à medida que governos vão consolidando legislações acerca do tema, ao mesmo tempo que empresas passam cada vez mais a entender que circularidade pode contribuir para a estratégia do negócio.
“Em 2015, o Brasil reciclava cerca de 50 mil toneladas de plásticos. Em 2021 esse número dobrou, e a tendência é aumentar exponencialmente esse volume”, conta. Ele cita que no Equador, por exemplo, a legislação já impõe que sacolas de plástico detenham, no mínimo, 60% de seu material sendo reciclado.
Além do Chile, a Comberplast planeja expandir seus negócios para Equador e Peru, que também contam com uma indústria de aquicultura forte. Por sua vez, e contribuindo para a mitigação do tema, a BASF fornece o IrgaCycle PS 0 30 para a Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Uruguai.
Jeito E
A elaboração de projetos customizados que beneficiem o meio ambiente e, por consequência, apoiem e otimizem as iniciativas dos clientes retrata o Jeito E da BASF, que une produtividade E sustentabilidade. A parceria entre a BASF e a Comberplast Chile reforça que é possível beneficiar a sociedade E o meio ambiente com produtos de qualidade E com alta tecnologia empregada, assegurando a rentabilidade dos negócios E a economia circular. A BASF está sempre preocupada com o desenvolvimento sustentável E conservação de recursos naturais.
As possibilidades de uso do IrgaCycle PS 030 permitem alcançar alguns Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas). Entre eles:
ODS 9: Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação
A Comberplast percebeu no lixo plástico uma oportunidade de negócio sustentável. Com isso, foi possível promover uma industrialização inclusiva e sustentável, mantendo a participação da indústria do setor pesqueiro crescente e moderna, de acordo com as circunstâncias nacionais, além de expandir suas operações nos países menos desenvolvidos.
ODS 12: Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis
Com o recolhimento dos cabos de plásticos, a Comberplast, por meio do uso do IrgaCycle™, pode reciclá-lo de forma a dar uma nova vida útil ao material. Dessa forma, o plástico, que até então seria descartado no oceano, ganha novas funcionalidades e formas de consumo.
ODS 14: Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável
De acordo com a ONU, a quantidade de lixo depositada ao ano nos oceanos é o equivalente à cerca de 2 mil caminhões de coleta de lixo sendo despejados no mar. Cerca de 90% do lixo flutuante nos mares é composto por plástico. A linha de produtos IrgaCycle™ permite que o plástico descartado no oceano seja reaproveitado em uma lógica de economia circular e direcionando para uso em aplicações mais nobres e de longo tempo de vida útil, como infraestrutura para a Construção Civil.